sábado, 21 de outubro de 2017

A ciência da geringonça

m dos pilares da chamada Geringonça que segura a governação nacional é o Bloco de Esquerda (BE), sem dúvida, o partido com maior experiência na matéria. Depois do seu nascimento em 1999, fruto da fusão de 3 forças políticas: a União Democrática Popular (marxista), o Partido Socialista Revolucionário (trotskista mandelista) e a Política XXI (socialista), juntaram-se outros movimentos: euroceticismo, feminismo, LGBT, socialismo democrático, anticapitalismo, eco-socialismo, sindicalistas, ambientalistas, etc, para crescer com as causas das minorias. Quando o BE sentir a necessidade de se tornar verdadeiramente um partido nacional (pelas autárquicas sabemos que não é), perceberá que a aposta seguinte para crescer é o da moderação e da competência focada na vida das pessoas, ser o partido da fiscalização por excelência nas Assembleias, nacional e regionais, com responsabilidade.

O BE nacional teve momentos conturbados, com desfiliações, afastamentos e confrontos, naturais da enorme miscelânea que se tinha de entender. Vive uma época estrelada nestes últimos anos de crescimento e contentamento com a entrada de quadros jovens e urbanos, altamente qualificados, muito por culpa de uma era de ultraliberalismo que mandou emigrar. O BE tem-se revelado tecnicamente competente, ao ponto de muitos desejarem, em pensamento bélico, que os prevaricadores sob alçada da Assembleia da República caiam nas mãos do Bloco, basta lembrar a banca.

O BE Madeira (BE-M) é um partido estável, muito por culpa de pouco mudar, tanto que até cristaliza. Normalmente agita por razões externas, ora pelo efeito do furacão “Katarina”, ora pelo efeito adelgaçante do Cafôfo. Se o BE nacional já fez caminho e terá uma crise de crescimento, o BE Madeira tem todo o percurso por fazer quando até está fácil porque a experiência nacional partiu a pedra e mostrou o caminho. Com estes antecedentes, dentro do próprio partido, o BE-M poderia replicar o modelo do continente na nossa região, abrindo-se sem medo aos jovens quadros e fiscalizando alguma Madeira, política e pública, sacando do armário a enorme quantidade de esqueletos por descobrir. Verão como duplicam nas Regionais de 2019. Se fizermos uma comparação entre os números das Legislativas Regionais e o círculo da Madeira nas Legislativas Nacionais, comprovamos o atrás descrito, os números duplicam ou triplicam em favor das nacionais. O resultado do BE na Madeira nas últimas Legislativas Nacionais aplicadas numas Regionais colocariam o BE-M como a 4ª força política na região, à frente da JPP e a morder os calcanhares do PS, com 5 a 6 deputados. Observar o quadro. Quem tem faro político sabe que vêm aí tempos diferentes, desafiantes e com oportunidades.

O modelo assente no sindicalismo tende a esgotar e é muitas vezes responsável pelo discurso limitado e redondo onde o conteúdo condiciona o aliciamento a novos votantes. Falta um discurso para toda a sociedade e não só para minorias. Isto só se consegue com a adaptabilidade dos que estão e o respeito dos que chegam. Lamentavelmente o efeito Renovadinhos traz receios que não ajudam mas, o BE-M tem um filão por explorar, sem temores, para não se habituar às boleias que algum dia podem falhar, o que sucedeu ontem na Assembleia Municipal do Funchal.

Em 2011, Roberto Almada estava politicamente debilitado, o BE-M foi o único dos 9 partidos que não elegeu deputados. Na altura, foi pela primeira vez cabeça de lista, conhecido através da rotatividade que o BE-M impôs na ALR, livre de conceber o discurso, a estratégia e o programa mas, a sua liderança não foi preparada, deu barraca. Em 2015, foi humilde, procurou contributos de todos para a batalha eleitoral, valorizou os militantes históricos ostracizados e beneficiou da conjuntura que não premiou a coligação regional “Mudança” e elegeu 2 deputados. Cabe agora a Roberto Almada pensar no passado e avaliar se está a preparar convenientemente o BE para as Regionais de 2019. Controlo e calculismo é como jogar para o empate, dá quase sempre em derrota. Pode estar a permitir a sucção do eleitorado do BE-M por via do voto útil, da bipolarização, do movimento de cidadãos ou por simplesmente não provar a imprescindível utilidade do BE-M no parlamento regional. É hora de envolver para adicionar entusiasmo e de partilhar a responsabilidade. Olhe para os Renovadinhos pós autárquicas, está ali uma montra. A rotatividade dos de sempre no mesmo molde descredibiliza. Pergunte-se e tire ilações do porquê do BE nacional cativar mais os madeirenses do que o BE-M. É das pessoas? Da estratégia? Se nada mudou, vai produzir um resultado diferente? Ao observar as listas, parece que, quando o BE-M aposta em novidade, retornam resultados, a jovem investigadora nas Regionais, o economista dirigente na CMF nas nacionais. Não eram figuras públicas mas obtiveram resultados. A vocação do BE-M é para os madeirenses que anseiam por aragem fresca e não qualquer outra que pratique uma política do quanto baste. O que sucedeu para se efectivar o salto de 4.850 votos nas Regionais de Março de 2015 para 13.342 nas nacionais em Outubro do mesmo ano?

Há mais razões para o BE-M não crescer, a imobilização da sua organização de juventude que não realiza a captação de jovens para as suas causas nem refrescam as suas fileiras. A ausência da sua capacidade reivindicativa quando tem influência no poder, como na CMF, neutralizando a sua imagem e produção para apresentar ao eleitorado. Quando confunde prioridades sendo o único partido a proteger o primeiro-ministro na ALR num voto de protesto por não respeitar os órgãos de governo próprio da Autonomia, entre outros.

Numa semana onde o movimento “Erradicar a Pobreza” nos relembrou que 32% da população da Madeira vive na pobreza e que outros tantos estão em risco de engrossar esses números, também soubemos que o PSD-M continua a governar para si e para o terço que nunca será pobre à sombra do erário público. O BE-M só não cresce se não quiser, só falta extinguir a política do quanto baste numa Madeira de esquemas que rebenta pelas costuras. Já pensaram no que seria um Bloco com o ADN nacional a actuar na Madeira? Não ficaria pedra sobre pedra, nem o betão que as une.



Diário de Notícias do Funchal
Data: 21-10-2017
Página: 30
Link: A ciência da geringonça
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