quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Terrorismo de estado

om o choque dos atentados na Europa, ficamos envolvidos em loops informativos que nos fazem crer que o momento começou nos ataques e o futuro será a eliminação dos jihadistas. Nada mais errado. Entre várias acções a tomar, a Europa deve acabar com o ultra-liberalismo promovido pelas suas oligarquias que vai marginalizando partes importantes da sociedade europeia e viabilizando a mensagem terrorista. Estão a fabricar o hardware para o Daesh instalar o software. É preciso fortalecer a escola pública.
A construção integral da Europa deve acabar com as respostas pendentes por nacionalismos. O copy-past da austeridade acentuou a depressão em parte do velho continente e os problemas chegaram aos centros de decisão por aproveitamento do Daesh.

A participação de portugueses no Daesh é uma realidade. Portugal julga-se erradamente à margem de tudo, quando até é uma plataforma no trânsito de suspeitos num país com 1,5 milhões de armas ilegais. O povo português é formado por uma robusta maioria de boa gente que sofre só e isso é detectável pela percentagem de consumidores de anti-depressivos, dos que põem termo à vida ou dos que se escondem com vergonha. Vivem com o terror de perder a casa, o ordenado, a saúde, de morrer num canto, não ter reforma, chegar ao fim do mês sem dinheiro ou este não cair na conta.

Neste confim da Europa, deixamos de viver num estado de direito para viver num estado judicial e fiscal. O ultra-liberalismo e a sua austeridade fazem boa gente frequentar os tribunais como se fossem centros de saúde, sujeitos às cobranças coercivas provocadas pelo desequilíbrio orçamental familiar. Empregado, precário, desempregado ou de vida estabilizada todos sentem a segurança a desmoronar. O negócio com a miséria floresce, com vil autoridade, e alguns enriquecem ainda mais, com jogos de informações privilegiadas. O massacre psicológico fragiliza.

Para um revoltado, a formação de paralelismos é simples. Se uns deturpam o Alcorão, outros querem alterar a Constituição. O Daesh mata, o nosso estado não permite nascer. Uns destroem para reescrever a história, outros esfolam as condições de vida no presente e o futuro é mentira. Uns ganham dinheiro indevido com o petróleo, outros com o erário público. Uns semeiam terror, outros a miséria que vai alimentar o terror. Uns fintam-nos com a sua verdade, outros mentem-nos na realidade. Uns dividem o mundo entre os que são da sua religião e os outros, aqui, fomentam a disparidade entre ricos e pobres. De fora nunca conheceram outra coisa que não a guerra, cá dentro a crise. Em ambos, a esperança e as oportunidades vivem do dia-a-dia. Sentem injustiça por saberem que o seu potencial não foi aproveitado. Estão na permanente necessidade de valorização, identidade, respeito e dignidade. O terrorismo observa e angaria os que mais facilmente podem materializar os seus objectivos, para isso só inverte a polaridade da capacidade dos seres e está aberto a novas áreas de negócio. 

O momento político português está crispado e vai prosseguir, com duas frentes, os que encontram na austeridade a solução e os que querem uma nova política de esquerda. O povo, cansado do terrorismo de estado com a brutalidade da austeridade, tende a ceder para um novo único caminho. Curiosamente, o terrorismo que mata vem ajudar. É argumento suficientemente forte para ombrear com aqueles que só sabem fazer contas sem um pingo de humanidade e estão a criar uma Europa impossível. Não há economia ou Estado que se aguente a viver em permanente terrorismo, tanto o jihadista como aquele que nos furta a possibilidade de viver. A Cidade Luz com atentados, Bruxelas sede das instituições europeias com blindados e a Grécia que não susteve um dos extremistas de Paris provam como o terrorismo é inteligente e a Europa cega.

É bom reflectir num novo enquadramento para o deficit, os mercados, a Troika, o FMI, a Comissão
Europeia, a austeridade e todo este beco criado pelo ultra-liberalismo que trocou o ser humano pelo dinheiro, manifestando-se já perigosamente para condicionar a democracia. A Europa também tem os seus extremismos e está a atrair mais. O velho continente precisa de um Plano Marshall e não de austeridade. Este só protege o dinheiro numa primeira linha, depois precisa de uma sociedade activa para se multiplicar. A austeridade pode desencadear conflitos sem fim na Europa, só nos faltava a colaboração do terrorismo.

Ao 51º dia temos a confirmação do inevitável, Costa é primeiro-ministro. Cavaco provou que quando é do interesse dos políticos o país pode paralisar e faltar a compromissos. Com tudo estudado antes das eleições, o desfecho das mesmas mostrou que era difícil respeitar a democracia com a pressão das oligarquias. A prova de obstáculos fortaleceu Costa como solução. Nasce uma oportunidade para outro único caminho com o PS que tem muito para limpar do seu passado recente a fim de ganhar moralidade e legitimidade. O BE e o PCP não se devem julgar confortáveis com um pé em todo o lado. Só vão ganhar com o sucesso de Costa, a ver vamos se perceberam que saíram do contra-poder e dominam os seus instintos.

Ao PSD exige-se responsabilidade e ir mais além. Despachado do poder, deve emigrar o seu líder sem pieguices. Deve sintonizar-se com a social-democracia, rejuvenescer sem bengala e, para não perder totalmente a face, convocar Rui Rio para novos desafios. Tem a característica de obstinado pelas contas mas não chacinou os portuenses.

A esquerda e a direita defendem os seus programas com clubite mas, no fundo, todos sabem dos fracos caminhos que nos acenam para o futuro colectivo. Todo terrorismo espreita, cá dentro e lá fora. Ou morremos da bala ou morremos do imposto. Ou morremos do aperto do PSD ou morremos da válvula de escape do PS. Oxalá nos surpreendam.

Diário de Notícias do Funchal
Data: 25-11-2015
Página: 7
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