quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Não governo para eleições

falta de sensibilidade social marca o mandato que ora finaliza, mesmo com todas as atenuantes do resgate. Estamos a avaliar este mandato, o outro já foi, o momento e os personagens. Passos fez da discórdia entre portugueses um método para implementar reformas duvidosas na aflição de cortar despesa. Do que disse e do que realmente fez nasceu o reconhecimento de mentiroso em sondagem.

O descrédito da palavra tem consequências pois é com ela que se comunica, ainda assim, a verdadeira campanha eleitoral é de 4 anos de acções e desaforos. A tentativa do “ou eu ou o caos” não funciona, os eleitores perderam demais, muitas vidas estão irreparáveis e agora não sentem medo. O discurso emotivo também não funciona a paredes-meias com a injustiça, o coração é cada vez mais de pedra, até nos doces grisalhos. Imagino o eco que encontra o discurso do trabalho feito, que deve ser recompensado, sobretudo nos funcionários públicos onde nem na carreira encontram alento. Resta saber o grau de desânimo que leva à abstenção, contando que Passos neutralizou muitos votos, claramente contra, com o “emigrem”.

Foto de Justin Russo/ Solent News
Como aqui chegámos? Passos deslocou o PSD da social-democracia para um neo-liberalismo obtuso, por convicção e na excelente oportunidade oferecida pela Troika para concretizar o seu ideário e, foi mais além, de forma desumana com o preciosismo das folgas orçamentais. A austeridade não foi um contratempo político, antes um pretexto muito a gosto. Por isso não há passo sem confusão nesta campanha que já deu lugar à desembestada. Acabar com a classe média serena é semear um país ingovernável.

O povo não deseja a ilusão “naïve” do Syriza mas gosta de confiança e esperança, de vida, um rumo para pagar sem deixar de viver. Temos uma economia dizimada e, para além do verdadeiro desemprego e da simulação do contrário, 900.000 empregos estão em 20% das empresas nacionais em dificuldades. Estamos sem anéis para uma próxima crise e não se entende a falta de coragem para ousar. Tivemos uma equipa governativa que não tentou alternativas, não moldou o guião de outros interesses mantendo o inevitável. A criatividade é bem-vinda num país tão vigiado pelas instituições europeias e financeiras. Qual o risco e quem vai votar?

Passos eliminou a crença na supremacia da acção política em favor da supremacia da acção financeira e deixou a economia para segundo plano. Assim não se paga, troca-se e acumula-se empréstimos, dívida. Provocou uma grave crise de identidade até entre os militantes e simpatizantes social-democratas. Com a saúde, a segurança social e as reformas também eles hesitam. Passos não entende que se respeitar a ideologia do PSD, haverá um capital de confiança e um eleitorado fixo, independentemente das qualidades ou não do líder.

O PSD precisa de orientação política. O desnorte nos argumentos, onde Passos se emaranha com explicações e perde, é sintoma das decisões avulsas de outros.

Com este quadro, Passos elaborou listas onde os candidatos tacitamente se comprometem a renunciar ao mandato se divergirem das orientações do PSD nas votações da A.R (Conselho Nacional 10 Julho 2015). Não sendo imposição, sabemos bem o que significa. Perdeu-se a noção da representatividade dos eleitores, basta que seja definido pelo futuro Grupo Parlamentar. Com esta predisposição, ter experiência em coligação será um desalinho certo quando já não enfiaram o Barreto. Assim nasce a mordaça dos lobbies. Vamos votar para aniquilar a democracia representativa? Facilitando quem não respeita a Constituição? Não se deve abrir precedentes. Política sem liberdade será um despotismo insuportável. Vamos de autonomia cambada para vergada e sem opinião na A.R.? Quiçá com 4 ou 5 deputados com voto condicionado? Imiscuir mais Passos nas decisões que a autonomia nos confere é enfiar-se num colete-de-forças que já foi provado.

Os portugueses deixaram de escolher um candidato para lhes dar uma solução global, essa é a via do arrependimento. Votam cirurgicamente, em consciência e não toleram armadilhas.

Cirurgicamente? Se as sondagens irritam, trocam as voltas pois as suas vidas não são de certezas. Se o banco lhes foi desonesto, votam na Mariana para sentir o prazer de trucidar o salpresado mas espreitando o aguenta-aguenta. O ar impávido de Passos vai além da verdade? Votam na Catarina, porque faz roçar os dentes. Levam as regalias sociais básicas, aplicam o camarada Jerónimo. O Tribunal Constitucional safa algumas regalias? Distribuem a votação para evitar uma maioria de 2/3 no arco da governação e a consequente revisão constitucional. Detectam candidatos que vão representar lobbies? Afundam-lhes a votação. Alguns até votam no Passos, desde que o Pacheco e a Ferreira Leite passem o dia a rachar lenha.


“Somos um partido de esquerda não marxista e continuaremos a sê-lo.”
Palavras de Sá Carneiro, em 1975, convicto de que o fim da política residia na pessoa humana. Os argumentos do actual PSD estão a deixar este espaço vago, por isso o PSD tenta coligado quando antes era possível só.
Sem paz, pão, POVO e liberdade, Portugal não existe e o PSD também não. O povo anda à procura de humanidade na esquerda, não importa se marxista. Afinal governar para eleições faz todo o sentido e ir votar também.

Quem estima ser sucedâneo deve aprender com a ante-estreia.


Diário de Notícias do Funchal
Data: 24-09-2015
Página: 10
Link: Não governo para eleições


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terça-feira, 1 de setembro de 2015

Adeus paquete Funchal

ssustou-se? Sinal de que ainda respeita os símbolos nacionais não elegíveis para o Panteão Nacional, por relevantes serviços prestados ao país. Estamos no limiar, o colega Lisboa foi desmantelado.

Há 54 anos que invocam o nome da capital da Madeira para identificar o último paquete da época áurea do transporte marítimo de passageiros em Portugal. Este ícone nunca mudou de nome e teve vivências excepcionais. Não sendo proprietária ou armador, a Madeira, por via desta estreita ligação, não se deve colocar alheia ao impasse que imobilizou o paquete após o último cruzeiro à passagem de ano na Madeira.

O paquete, a torre da Sé e a torre da C.M.F, ícones do Funchal. Foto de Luís Fernandes.
A ordem de construção do Funchal data de 1959, pela empresa Insulana de Navegação, aos estaleiros navais de Helsingør Skipsværft que deram forma ao projecto de Rogério de Oliveira. 2 anos depois estava construído o maior navio daqueles estaleiros dinamarqueses. Serviu nos primeiros anos nas ligações entre Lisboa, Açores, Madeira e Canárias, integrado numa frota constituída por mais de duas dezenas de navios, onde se destacavam o Infante Dom Henrique, o Santa Maria, o Vera Cruz e o Príncipe Perfeito.

A idade do paquete Funchal e as exigências do “Safety of Life at Sea”, para que possa navegar em cruzeiros, limitam-no mas, o facto preponderante, em boa consciência, é de que todos gostam, veneram e publicam fotos mas, quando chega à hora de escolher um cruzeiro optam por outro navio, condicionados pelo marketing do maior, do novo, mais atraente ou inovador. Esquecem-se dos clássicos. Foi um grego, George Potamianos, que salvou o paquete uma vez. Quando será a vez dos portugueses sem Passos em falso?

O paquete Funchal e a cidade que lhe deu o nome. Foto de Luís Fernandes.
Se Portugal quer acreditar na sua vocação marítima, realizando em vez de invocar os já enervantes clusters do mar ou economia azul, vai ter de deixar a verborreia. Precisamos de pragmatismo e resultados.

Vivemos tempos difíceis, onde melhor se definem os bons, os regulares e os maus governantes, pressupondo que não há estadistas. A nossa ilha gastou 100 milhões numa marina que não existe, pode-se redimir com um enquadramento legal rentável, mesmo com outras prioridades financeiras, para facilitar uma solução privada ao paquete. O Funchal é amigo de “todos”, um “crownfunding” pode ajudar, encaminhar os descontos no IRS também. Criar soluções que mantenham o Funchal e produzam receita para o(s) investidor(es) são os desafios.

Nem tudo é repto, um grande trunfo reside na profunda renovação efectuada ao navio há relativamente pouco tempo, para além de ter um justo tamanho para ser explorado na Madeira. A sua recuperação custou 20 milhões de euros e está à venda por 18 milhões. Por este caminho, imobilização, desvaloriza-se até um sucateiro lhe deitar a mão. Outros navios, com uma segunda vida, foram recuperados de situações bem piores. Foram necessárias grandes campanhas durante anos para salvá-los. As principais referências vão para o Queen Mary, o Rotterdam V, o Kristina Regina (Bore), em exploração, havendo ainda os casos do Queen Elizabeth 2 e o United States, imobilizados, entre outros de menor dimensão.

Paquete Funchal a 31 de Dezembro de 2014, prestes a fundear. Foto de Luís Fernandes.
Sabendo das intenções em avançar com uma unidade hoteleira para o Cais Norte, a Madeira poderia reconverter os planos e trazer o paquete Funchal à nossa cidade para servir de hotel multifuncional (alojamento, museu vivo, eventos e visitas) numa estrutura fixa dentro de água, demonstrando ao país que sabe preservar o património, a história e a cultura, até porque por aí tem futuro a explorar. Visite estes exemplos: www.msborea.fi, www.ssrotterdam.com.

Brasão do Funchal na proa do paquete. Foto de Luís Fernandes.
A cidade do Funchal, com o seu paquete, poderia juntar sinergias com outras cidades nas mesmas circunstâncias, promovendo um circuito mundial que satisfaça um novo nicho de mercado.

A Madeira já tem notoriedade para clássicos, basta observar a importante colecção de automóveis, com alguns em circulação para serviços de charme. As quintas madeirenses, os museus, as igrejas, o vinho, um Madeira Story Center e uma “Esquina do Mundo” recuperadas, entre outros como os carros de cesto do Monte e porque não os de bois, poderão compor uma viagem no tempo, criando diferenciação ao nosso turismo. O paquete Funchal pode ser mais um componente do bom sabor dos velhos tempos.

Estão avisados, não adormeçam.


Fotos: no DN e no blog, da autoria de Luís Fernandes, ao qual agradeço a pronta colaboração.
Diário de Notícias do Funchal
Data: 01-09-2015
Página: 11
Link: Adeus paquete Funchal


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