sexta-feira, 24 de março de 2017

Empreendedorismo Político

Da designação Empreendedorismo Político deriva a sigla EP, apesar de conferir, não confunda com Empresa Pública, entidade que vive à sombra do erário e da oportunidade pública. A primeira dá sempre lucro, a segunda nunca sai do buraco financeiro.

O Empreendedorismo Político (EP) é um fato à medida com sucesso assistido e garantido. Negócios, cadernos de encargos, concursos, regras e leis, contratos, fuga legal aos impostos, subsídios, nomeações, adjudicações directas, aniquilação da concorrência, tudo à medida, até secretárias com as medidas. O EP vive no Jardim do Éden, sem fruta proibida. Dizem, a sorte constrói-se, pena não termos todos um pouco de poder, em vez de deixados à sorte por uma democracia representativa capturada por uma dúzia. Enquanto impotentes observadores deste abuso, resta-nos desejar que a facturinha da “sorte” não chegue a casa.

O EP usa o capital político, a informação privilegiada e o erário público, embrulhado no interesse ou necessidades do povo para fazer fortuna. Cega até atingir a bronca mas há sempre um bom advogado conhecedor das brechas da lei e da justiça com uns testas de ferro que, ora ganham uns cobres ora são o elo fraco. Todos sabemos, sem prova oficial, na mesma proporção do fogo do Verão passado, tudo controlado mas calcinado.



Os EPs dependem da política, porém, a maioria é incapaz de conquistar votos e muito menos de serem cabeças de lista mas, pelo império, estabelecem submissões por dívidas de favores no sistema. Muitas das ilusões de subir a pulso acabam com os seus nomes, recebem as maiores atenções para o acesso a lugares elegíveis à boleia da cara dos outros. Pagam o que for preciso, a democracia também é um negócio. Quando suspeitam da eficácia dos líderes, fornecem engodo ao povo, um investimento tipo mecenas que logo recuperam. Nos momentos quentes lutam selvaticamente para não perder o estatuto, eixo giratório do império e da importância. Odeiam gente com coluna vertebral, preferem moluscos. Se falham, tornam-se uma nulidade, arrepia-lhes muito viver como um cidadão comum. Qualquer catedrático descerá à categoria de tonto, ressabiado ou invejoso quando, em matéria que domina, interferir nos supremos interesses de um EP. Depois de instalados, dividem para reinar e minam a credibilidade dos sérios. Manipulam a realidade com ares de genial moralista, alguns dão conferências que doutrinam o sistema a seu gosto escondendo as vantagens obscuras de que usufruem para serem ícones do sucesso. Por tudo isto e muito mais, usar capital político para abrigar EPs devia dar cadeia. São estes que renovam os ciclos das mesmas castas de EPs para desfrutar do seu momento, também de cobrança, não se importando com o colapso dos partidos tradicionais, desde que servidos.

Dos EPs nasce a proliferação de incompetentes, válidos como excelentes bufos, cães de guarda, sem valores ou ética mas que levam as clausuladas boas avaliações nas hierarquias da governação, descredibilizando as instituições e desmoralizando os funcionários. Ocupam simplesmente o lugar, alguns nem precisam de ir ao emprego. Os EPs de elite passeiam-se com as mordomias do Estado que lhes deixam o ordenado intacto, dizem conhecer o sofrimento do ordenado mínimo, no adro, se tiverem que ser convincentes até lêem a epístola. Em Roma sê romano.

Quando toda a economia se desterra pelas falências promovidas pelos insaciáveis EPs, são estes que, na maioria dos casos, comparecem ao “abutricídio”, um jogo de bens do infortúnio sem dono onde se praticam valores por palpite respaldados por um sorriso sacana. O império cresce barato e a gosto, supervisionado por um esquema zeloso a penhorar e estrábico a vender. Usadas todas as potencialidades do sistema, se ainda assim o EP for aselha e perder num enfrentamento político, depois de distorcer o mercado e a política, alguns ainda levam subsídio de reintegração enquanto o comum empresário, confrontadas todas as vicissitudes, nem a subsídio de desemprego tem direito. Com estrondoso sucesso que catapultava qualquer governo ninguém promove o EP Valley nem faz algazarra com as Startups dos EPs.



O eleitorado encara tudo isto sob um silêncio cada vez mais cínico, destruindo sondagens, alguns indo aos jantares de todas as cores, outros cedendo ao populismo. Os EPs estão a construir sociedades exclusivas, o tempo esclarece e mata o discurso. A apropriação da democracia representativa pelos EPs, enquanto forma de negócio, deve promover no eleitor o fim da fidelidade partidária e não o desejo de participar no banquete que, não chega para todos nem os EPs querem repartir. Todo o espectro político deve ser válido enquanto opção para atingir os fins no interesse do povo-eleitor, honrando os sérios. Esta é solução antes que nos deparemos com um boletim de voto armadilhado, à semelhança de alguns concursos, com várias propostas do mesmo interesse. É necessário olhar para toda a lista e não só para o cabeça de lista. O eleitor deve criar exigência deixando opções credíveis em aberto, a qualidade só surgirá se os partidos souberem que não podem prevaricar e não alcançarão, sob qualquer forma, o poder. O objectivo dos EPs é confiná-lo ao voto por necessidade ou exclusão de partes, mesmo que a parte beneficiária não valha mais do uma aposta empresarial. Adoram a rendição do eleitor pela abstenção, os interessados votam sempre. Devemos obrigar os partidos tradicionais a purgar os EPs das suas nomenclaturas para que se invertam as respostas a duas perguntas: O eleitor melhora a sua vida? Não! O EP melhora a sua vida? Sim, trabalha no interesse pessoal em cargo público!

Os EPs parecem ETs, não ligam à humanidade quando o dinheiro ao seu serviço faz falta em tanto lado. E porque do curriculum dos EPs consta que os líderes passam e eles ficam, o silêncio dos cidadãos diz-me que o  eleitorado vai actuar pois os EPs ainda não são proprietários da democracia.




Diário de Notícias do Funchal
Data: 25-03-2017
Página: 25
Link: Empreendedorismo Político

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