sábado, 26 de agosto de 2017

U-na-ni poli-poli-ana

ara escolher temos de estar suficientemente distantes a contemplar o quadro sem emoções ou interesses em abono da sociedade. Com 2 passos atrás ganhamos amplitude, com o nariz pregado na “obra” a vista não alcança e o cérebro não acolhe o que importa. A acção dissipa a fumaça vertida na tela política para vermos traços com sentido. A política não é um reality show de criaturas larocas que por safadezas atraem audiências, trocando o momento para dizer o que se pretende construir para o eleitorado em 4 anos por maledicência que não é programa eleitoral, uma estratégia para ganhar sem categoria e sem foco no servir. Estamos em plena folia, idêntica à que leva alguns idiotas ao poder pelo mundo fora ao colinho do marketing, do populismo e do extremismo.

A Região vive numa deformação democrática oriunda da ideia de posse e propriedade do poder, resultado de 40 anos no seu usufruto. O constante açambarcamento da economia e das oportunidades pelos mesmos não permite o integral desenvolvimento da Região, criando ricos mais ricos e pobres mais pobres que, para sobreviver, sujeitam-se à subjugação. O orçamento da Região está sequestrado para cobrir empregos a peões e manter empresas/ figuras de regime que induzem a mais obras megalómanas para facturar sem utilidade mas … enriquecendo. Conhece planos sérios a médio e longo prazo para o povo desta Região? O máximo que consegue é um orçamento regional ano a ano. Não se vislumbra qualquer navegação à bolina para tanto vento contrário no seio do povo. A solução política única é a estratégia habitual que resume o voto num mesmo partido sugerindo uma solução ao povo: pertencer à máfia no bom sentido, vivendo ad aeternum com uma cenoura num sistema esgotado pelo núcleo duro.

Tudo isto tem um fim, pela demografia e pela economia. A demografia definha porque não se permite nascer nos orçamentos familiares e quem estuda foge deste esquema. Outros fogem em boa idade laboral ou por chamamento de famílias. A novidade está na Madeira enquanto plataforma giratória da situação na Venezuela que redistribui os nossos emigrantes por outras paragens mas, a pequenez não convence a par de um certo trato sectário e preconceituoso. Uma perda de oportunidade para revitalizar. A economia passa sempre pelos mesmos em sucesso assistido pelos governantes. A Madeira resume-se a um condomínio fechado, onde seus condóminos surgem de ora em vez para se abastecer do voto. Creio ter dito o suficiente para afirmar que as eleições são momentos aflitivos que colocam em causa o sucesso pessoal e a existência de impérios privilegiados do sistema. Da aflição por necessidade nasce o ódio que valida o poder a todo custo e meios, abusivos, fraudulentos ou com chantagem no seio da deformação democrática. Quem deseja ser justo ou adversário é olhado como um ladrão que vai tirar o pão assente na tal ideia de posse e propriedade da democracia e do poder.


Neste panorama, o Director deste Diário faz escolhas. Não tem páginas a metro, o DN não nasceu de um apoio financeiro nem é de brincar aos 10.000€. Tem história! As escolhas são muito fáceis, sem u-na-ni, poli-poli-ana, instruções da Quinta Vigia e muito menos anda ao sabor dos humores dos candidatos. A escolha é a notícia e não a agenda para encher chouriços, essa que quando fica de parte eriça uns mancebos políticos que resolvem a azia denegrindo tudo e todos nas páginas das redes sociais. Se tem valor e conteúdo sai, se é maledicência e especulação estéril não. Cá vão uns factos sobre o que ele aguenta, vamos “Libertar o DN”! Deve o Director noticiar as vezes que lhe telefonam com ameaças de morte ou de que pegam fogo nas instalações? Publica as fotos de orgias e cowboyadas dos ricos do sistema no estrangeiro (para não dar nas vistas aqui) que chegam à redacção anonimamente? E as safadezas que alguns puros de sucesso fazem para arranjar tacho jogando em todos os tabuleiros sem que o sistema detecte? É para apontar os que atraiçoam e tiveram um tacho-prémio nesta Renovação? Enumera as amantes que retiram lugar aos credenciados para governar fazendo ainda sobrar impropérios aos lesados? Aponta aqueles que não vergando à chantagem são impedidos de evoluir profissionalmente? É para dar conta dos candidatos que só assinam a candidatura depois de ver um vínculo sem risco na função pública ou que são promovidos com retroactivos? Fala das salas e festas de chuto e dos financiamentos obscuros, desses que a moral apanha mas, a justiça não? Que sociedade estão a fomentar? Desejam um Correio da Manhã regional? É para contar tudo escabrosamente ou preferem um órgão de INFORMAÇÃO isento e responsável? O “DN livre” deve dizer que vai uma grande aflição no fanatismo promovido por benesses à conta da política? Essas indutoras de ódio tresloucado por considerarem que outros, tão ou mais aptos para a política, são inimigos e não adversários ou companheiros? A maledicência é sintoma de um competidor à altura. Estamos tão só num cheirinho do que a simples ameaça de perda do poder exerce no comportamento dos dependentes da deformação democrática, os da posse e propriedade dos cargos sine fine temporis. Temos por cá tanta Trump-alhada como nos EUA e o mesmo fanatismo cego dos apoiantes de Maduro que garante benesses. A moderação é de todo conveniente com tamanhos telhados de vidro.

U-na-ni, poli-poli-ana, o (e)leitor vai ser chamado a escolher num ambiente político assente no que suja mais branco antes que alguém leve um “Picasso”. Porque a crónica é sem tabus, uma pergunta desconcertante, é com isto que o PSD Madeira quer disputar 2019 e governar a Madeira? Zele por uma bipolarização credível para 2019 em que duas partes ameaçadas, uma pela outra, terão de escolher melhor as pessoas, objectivos e programas. Coloque exigência, isto com aventais e outras coisas mais, putos impreparados, lobbies, dependentes, pretendentes a salivar e amestrados do PSD do continente com ódios da democracia deformada não vai dar certo. A pré-campanha selvática não é mais do que o PSD Madeira a viabilizar a solução única, a sua, em 2019, eliminando a concorrência que poderá surgir em força. Em Junho de 2016, escrevi “As Autárquicas decidem as Regionais”, são para a câmara e a antecâmara do poder que conta e mantém o sistema e a deformação democrática ou não.


Diário de Notícias do Funchal
Data: 26-08-2017
Página: 28
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sábado, 19 de agosto de 2017

RTP Madeira 2 de 2


(continuação, ler Crónica Sem Tabus do último Sábado 12-07-2017)

2010: Subdirector de conteúdos, Gil Rosa (chefe de serviço da RDP), é escolhido pela administração para subdirector de conteúdos (RTP) que acumula os trabalhos da programação, produção e informação. Com a chegada de Martim Santos, extingue-se a Direcção Adjunta de Informação, junta a informação com a produção, algo sui generis no universo RTP, provocando a perda da autonomia da redacção e, consequentemente, na informação. Mais tarde, consuma-se a vinda do subdirector Miguel Torres Cunha e Gil Rosa, com pouco tempo em funções, perde o cargo. Miguel Torres Cunha, saído do DN e próximo dos apetites empresariais interessados na privatização da RTP-M, compensa Gil Rosa mantendo-lhe as regalias da função sem as exercer. Realça-se uma gestão, no mínimo confusa, de uma estação pública sob ascendente dos privados. Na mesma altura, quiçá em desacordo mas com soluções pessoais em mãos, a RTP-M perde profissionais com mais de 30 anos de casa, Leonel de Freitas e Roquelino Ornelas, por reforma antecipada. Cada vez mais se troca  profissionais da área por elementos de confiança com experiência quase nula em rádio e TV. Destas acções nasce a “nova” RTP-M, onde não são permitidas horas extraordinárias aos funcionários para justificar a necessidade de contratar meios humanos e tecnologia em outsourcing, um meio caminho, um “publivado”.

2010/ 2011: O Grupo de Acompanhamento; Luís Miguel de Sousa decide escolher e liderar pessoas da sociedade madeirense para naqueles anos instituir o designado Grupo de Acompanhamento da RTP-M. Numa parcela da Televisão Nacional, com 40 anos de existência, parecem padrastos à força, na verdade é uma comissão instaladora que pretende interferir na RTP-M em favor da privatização. Sem qualquer suporte legal, o assunto chega à Assembleia da República pelas mãos dos então deputados nacionais pela Madeira Jacinto Serrão e José Manuel Rodrigues e a exposição mediática determina a extinção desta tentativa de obter o poder dentro da RTP-M. Tudo isto se produz numa RTP-M que nunca deixou de ser PÚBLICA.

2012: Ano do medo; Miguel Torres Cunha é incumbido de meter ordem na rebelião, emparelhando com Martim Santos a ver se é desta que privatizam. Começam a ocorrer reuniões com os funcionários em tom ríspido para se renderem às evidências e apoiarem um projecto empresarial para a RTP Madeira, caso contrário a estação poderia fechar. As intimidações são sugeridas com comparações sobre o que iam os funcionários perder se fossem para o mercado de trabalho dito “normal”. É o momento que coloca na opinião pública o que se passa dentro da RTP-M, fonte e início do meu estudo. Começam a surgir testemunhos de funcionários revoltados pelo trato recebido na imprensa, blogues e sindicatos. Quem de alguma forma sai, liberta-se e fala. O despedimento, sob alguma forma, entre empolado, artificial ou real existiu na verborreia da privatização.

2013: Fim do projecto de privatização; o ministro que tutela a RTP, Miguel Relvas, abandona o governo vergado por sucessivas polémicas e casos obscuros cedendo o seu lugar a Poiares Maduro, o que provoca o abandono da intenção de privatizar a RTP. Guilherme Costa é substituído por Alberto da Ponte e surge o Conselho Geral Independente com a finalidade de nomear a Administração e assim acabar com o vício da tutela em nomear os boys da política para a administração da RTP. Apesar da evolução do contexto nacional, entre a fase da tentativa de privatização e o arranque do Conselho Geral Independente, a RTP Madeira manteve, até hoje, a mesma Direcção promovida pelo interesse da privatização. Parece que se apostou em vencer por usucapião. A cada visita inócua de elementos da Administração nacional à região, a esperança acaba defraudada e a dialéctica beligerante acentua-se entre os funcionários que se acham públicos e os que se acham “privados” (novos, dóceis ou adaptados que olham para o seu emprego no outsourcing em condição precária). Sobrepõem mais confusões, não resolvem a actualização dos equipamentos e não determinam rumo, estratégias, quadros e lideranças. Só adicionam ruído.

A RTP Madeira é PÚBLICA e não há qualquer indefinição ou dúvida a este respeito, o que significa paralelamente que a actual direcção está deslocada no tempo, do princípio e do espírito de uma televisão de serviço público e não de serviço empresarial ou político que tantas vezes deixa transparecer. A RTP-M necessita de purgar ascendentes, permitir que o mérito vingue numa estação bem equipada, o brio surgirá e os vícios serão abafados. A estação regional, para que nunca mais se coloque a sua existência em causa, precisa de paz, de share e dos madeirenses ao seu lado. A história da RTP Madeira, sobretudo nos último 8 anos, é de cúpulas que, desejando poder, se esqueceram por completo de deixar trabalhar no interesse da Madeira, parece que se sabota até atingir os objectivos e depois logo se vê. A RTP-M perdeu valores antes do tempo, não necessariamente seniores acima dos 50 anos com reforma antecipada, por vezes gente da casa colocada na prateleira, formada e cotada para a TV. Há funcionários por despontar, só precisam de ambiente e condições. A RTP-M necessita de fechar o ciclo que vive sinistramente há 4 anos e cingir-se à linha da RTP Nacional e das recomendações do Conselho Geral Independente. Qual a dúvida?

Com a influência que a Venezuela tem na Madeira, ninguém pia sobre a sua vocação natural para a cobertura singular do que se passa naquele país e assim afirmar a estação? Tão fácil seria brilhar e ganhar respeito. Em determinados dias, a informação da RTP-M parece saber que existe um importante jogo no estádio mas decide fazer a cobertura sobre 2 ou 3 detalhes nos balneários. Enquanto o “mundo pula e avança” a RTP-M está na sua “alegre casinha”. Enquanto uns desesperam lutando por liberdade e democracia na Venezuela outros fazem o trajecto contrário na Madeira. O telespectador topa e desconsidera o serviço dos Donos Disto Tudo.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, / Muda-se o ser, muda-se a confiança: / Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades. /Continuamente vemos novidades, / Diferentes em tudo da esperança: / Do mal ficam as mágoas na lembrança, / E do bem (se algum houve) as saudades.” (Luís Vaz de Camões in Sonetos).



Diário de Notícias do Funchal
Data: 19-08-2017
Página: 28
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sábado, 12 de agosto de 2017

RTP Madeira 1 de 2


m dois Sábados abordarei a RTP-M pela evolução da conjuntura dos últimos anos, naturalmente a abreviar mas, suficientemente informativo, e espero que fiel, para sabermos como se suicida uma estação de TV. Os nomes são acessórios mas fazem parte do imbróglio que a RTP nacional, única responsável, estranhamente permite e não resolve.

A RTP-M encerra em si própria um excelente guião para uma novela em prime time. O ambiente tórrido que se vive na estação deve-se à circulação de nomes em vez de objectivos a bem do serviço público. Ao abordarmos os problemas da estação, chegaremos então a nomes com menos subjectividade nas acusações. A permissão da conjuntura é que dá importância aos nomes. Arranquemos com umas perguntas. Porque não estão os madeirenses incondicionalmente com a sua TV? Porque houve indiferença atroz quando se insinuou o seu encerramento? Quem falhou durante todos estes anos na actualização dos meios técnicos para trazer outro entusiasmo aos funcionários? Que objectivos coloca a RTP-M aos seus funcionários? Qual a idoneidade das lideranças? Tem um desígnio ou simplesmente não há moral? Trabalham para que share? Porque é que em algo tão exposto segue a tradição tachista na região? Porque é que quanto mais formado e experiente na área mais se “emprateleira”? Há 30 anos, a RTP-M abria a emissão às 18:00, a mesma hora dos nossos dias, excelente retrato da estagnação para uma TV que já deu “Bom Dia Madeira”.

Recuemos 30 anos na RTP-M. 2ª metade da década de 80 até 1997: Armindo Abreu, o Director que inaugura as novas instalações da RTP-M, no Caminho de Santo António (1995), reforça a produção regional, onde inclui mais desporto, e aumenta o número de transmissões em directo de eventos. Em 1997, o Telejornal das 21 horas surge com notícias regionais a par da actualidade nacional e internacional. Um novo noticiário entra para a grelha, o das 14 horas, o programa “Alpendre” também.
1997-2003: Carlos Alberto Fernandes conhecia profundamente a RTP Nacional e chegou à liderança depois de ser subdirector de Armindo Abreu. Foi o director técnico do canal Tele Expo que juntou a RTP e a SIC para a transmissão dos eventos da Expo 98. Esta posição privilegiada deu-lhe a oportunidade de trazer câmaras digitais e equipamentos de montagem para a RTP-M, parte do espólio da Tele Expo. O Telejornal das 21 horas passa a chamar-se Jornal das 21, para se diferenciar da produção do continente, e dedica-se integralmente às notícias regionais. Com as novas condições técnicas surgem os programas de desporto Estádio (diário) e o Fora de Campo (semanal).
2003-2005: Luís Calisto, vindo da imprensa, deu prioridade às notícias cobertas pela estação para obter diferenciação. A produção regional dedica-se a novas áreas como, por exemplo, a pesquisa sobre os Verões do passado, documentários e outros programas de informação gravados.
2005-2010: Leonel de Freitas lança o Bom Dia Madeira, inovando com a abertura da emissão às 7:30. Promove debates da actualidade no Telejornal Madeira após a leitura das notícias. É uma altura de lançamento de novos programas.
2010 - ... : Martim Santos, reduz as horas de emissão, com abertura às 17 horas no Inverno e às 19 horas no Verão com encerramento entre as 23 e as 00:00 horas. Uma TV com 4 a 6 horas de emissão que naturalmente extingue a produção fora desse horário (ex. Bom dia Madeira e noticário das 14 horas). Cria novos programas de pós produção e aumenta a duração dos programas gravados e em directo. Adiciona novos formatos de Verão.
Os directores profissionais de rádio e de televisão que assumiram a chefia da estação foram Armindo Abreu, Carlos Alberto Fernandes e Leonel de Freitas, os restantes directores e alguns quadros de confiança fizeram comissões de serviço com diversas origens: exército, EEM, hotelaria e imprensa escrita. Todos estes cargos vagueram ao longo dos anos por um parecer vinculativo do Presidente do Governo Regional (GR) e consequente decisão final do Conselho de Administração da RTP até ao Governo da República Durão Barroso/ Santana Lopes. Por esta altura passa a decisão simples do Conselho de Administração até aos nossos dias.
2010: Guilherme Costa tinha como vice-presidente José Marquitos, bem relacionado com empresários e políticos da Madeira, que os dá a conhecer ao seu presidente durante as férias, no Verão de 2009, no Porto Santo. Este é o primeiro momento do ascendente de Luís Miguel Sousa sobre a RTP-M através da amizade e proximidade com o então presidente da RTP. É também nesta ocasião que a RTP-M vislumbra um futuro mais indefinido. A RTP nacional vivia, na altura, uma possível privatização, questão que dividia o governo de coligação PSD/CDS em funções na altura. Tutelado pelo ministro Miguel Relvas, Guilherme Costa promoveu contactos com empresários em Angola e na Madeira que mostraram apetite por uma eventual privatização do canal RTP da Madeira. A RTP-M era Pública ou privada? Nada havia mudado, era pública mas, com exposição privada. Sem qualquer decisão tomada pela RTP nacional, a tentacular vertente privada evolui tacitamente a partir dos empresários da Madeira. Os funcionários surpreendidos pressupõem que algo “combinado” ocorre sem valor legal. Martim Santos, jovem ex quadro do Grupo Pestana e co-explorador do Café do Teatro com seu padrinho, assume funções na RTP Madeira, sem experiência em empresas de comunicação ou TV, o que muitos funcionários da casa, bem mais preparados, sentem como um ultraje e uma ingerência. É o momento em que se acentuam os desacordos, uns vendem-se outros não, arranca uma era de calculismos e sobrevivências, ainda para mais com um impávido e apático Conselho de Administração que não parece de confiança. Os funcionários consomem-se num silêncio e a estação definha a cumprir o horário.
(contínua no próximo Sábado)




Diário de Notícias do Funchal
Data: 12-08-2017
Página: 32
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sábado, 5 de agosto de 2017

O fio que canta

o colégio onde fiz a instrução primária, costumavam organizar uma feira do livro, numa delas comprei duas histórias do Lucky Luke que ainda preservo. Uma, muito pedagógica, colocou a professora de “castigo” a borrar de preto o grande manancial de quadros com desenhos de mulheres nuas nos saloons. A outra história de Morris e René Goscinny metia naturalmente o mais rápido do que a sombra, índios, aldrabões, sabotagens e os pioneiros da instalação do telégrafo nos EUA, ilustrando na perfeição a realidade que contarei. Publicado pela primeira vez no Paris Match, tornou-se no 71º livro do projecto franco-belga em 1977, “Le fil qui chante”, bem poderia ter como tradução “A poupança que pagamos” mas acabou por se definir à letra como “O fio que canta”, expressão dos índios sobre o fenómeno que ocorria na região, o que também não anda longe da realidade, de facto “cantamos”, duas ou três vezes, depende da perspectiva.

A 8 de Agosto próximo, passam-se 3 anos da assinatura de um contrato entre o Governo Regional (GR) com uma empresa do grupo EEM, designada por Emacom, que visava criar uma rede de comunicações privada do GR no âmbito do projecto eGov@Madeira.

Importa recuar a 2014 e relembrar que o GR e PT estavam em maus lençóis financeiros, a última exige por cobrança coerciva as facturas de comunicações pendentes no GR. Este, por sua vez, avança com um projecto que parecia um correctivo à PT como forma de pressão negocial, promovendo uma alternativa que o fizesse poupar cerca de 1.2 milhões de Euros ano, prescindindo dos serviços da PT. O governo da altura lança assim o concurso público internacional (CP03/SRF-DRI/2014 da Secretaria Regional do Plano e Finanças) para a instalação de uma rede de comunicações privada para a administração pública da Madeira, curiosamente excluindo o SESARAM. A EEM, empresa tutelada pelo GR e “braço armado” em muitas ocasiões, concorre e ganha a solução de comunicações exclusiva do GR. A PT, outro concorrente do projecto, discorda do resultado e suspeita de “arranjo” e instrui um processo no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal. Nesta acção, a PT pede a nulidade do concurso com dois fundamentos, o do preço base de 5,6 milhões de euros indicado como demasiado baixo para a solução que o GR desejava implementar e a duração do contrato de manutenção por 20 anos (até 2034), o que garantia a PT longe por esse tempo, mas que, segundo a empresa de comunicações, não estava devidamente fundamentado por requerer outro procedimento pela razão de se estender por mais de 3 anos. O tribunal só deu razão à PT no segundo argumento do qual o governo recorre. Para tornar mais interessante a situação, o preço que era curto para a PT permite à EEM dar de subempreitada a instalação a duas empresas.

Como se depreende, as etapas do concurso prosseguem, o GR avança e disponibiliza 4.3 milhões de Euros à EEM (85% comparticipado pelo FEDER), sendo 2.7 milhões de euros respeitantes a equipamentos e montagem da infraestrutura e outros 1.5 milhões de Euros relativos a formação, gestão, monitorização e assistência técnica. Se assim fosse, era um “negócio da China” e, pelo valor da despesa anual com a PT, o investimento seria amortizado em 4 anos. Segue-se, naturalmente, outra necessidade, pagar a manutenção e monitorização anual para que o projecto não se desactualizasse ou ficasse ferido de equipamentos essenciais, vai daí, ao custo de implementação segue-se outro custo anual, uma brincadeira de 1.2 milhões de Euros por cada um dos 20 anos. É aqui que todos nós, enquanto contribuintes, começamos a perceber que íamos pagar mais por esta poupança, pois só a manutenção anual tinha o mesmo custo da factura anual da PT (com os preços a descer) ficando unicamente a autonomia como trunfo mas, a história não acaba aqui. Por outro lado, a PT ao colocar o caso em tribunal entorna o caldo ao GR, porque é má fé poder pagar a manutenção anual da rede privada (pelo mesmo valor da factura anual da PT) e não saldar as facturas. Nesta situação, o GR ignora o seu projecto e adjudica, através de diversas secretarias, o serviço de comunicações à MEO (PT) para todo o governo com o intuito de calar e acalmar os pagamentos em dívida.


Neste momento, a poupança do GR resultou num incremento da factura de comunicações pois tem de pagar à PT e honrar o contrato com a Emacom, da qual não resultou todavia nenhuma rede privada e são os funcionários públicos a monitorizar o que existe. Se por um lado tivemos um Secretário do Plano e Finanças de 2014 que se foi entalando com o evoluir da conjuntura, neste momento temos a SRETC, na já tradição da Renovação, a assobiar por via do corte mental com outros governos do mesmo partido. Mas há paralelismos, a exemplo da sugestão de tarifas por via do subsídio da mobilidade aérea, o secretário do cabo submarino teve a veleidade de sugerir o tarifário do futuro ferry e, mais recentemente, alvitrou uma baixa de 16€ ao consumidor nas comunicações, naquele ímpeto de mostrar serviço que acaba em borrão. Preços é matéria exclusiva dos operadores que constroem uma rentabilidade de forma competitiva ou abusiva. O secretário só fica incumbido da feitura do caderno de encargos e do quadro legal das operações de forma inteligente para que os operadores, do que quer que seja, não se aproveitem da incompetência. Para quem já afirmou que a factura das comunicações vai descer 16€ ao consumidor, desconhecendo-se a lógica do número, era bom começar a focar-se na responsabilidade do GR em não pagar duas vezes as comunicações do governo, a rede privada paralisada e a da MEO. Se fizermos contas, afinal não são menos 16€ nas comunicações por cada cliente/contribuinte. À data da implementação do projecto de rede privada de fibra, era esperado que o Governo até tivesse VoIP (chamadas telefónicas sobre a internet) para justificar o investimento e a poupança obtida, no entanto, a realidade é que agora, em vez de uma factura, o governo paga duas à PT com as chamadas telefónicas em separado. Este é um caso em centenas, Deus vai nos providenciar mais Sábados. Com décadas a jorrar euros da Europa, deveríamos ser um povo a viver bem mas ainda pagamos a falência e aturamos o “Diesel & Bloom”.


Diário de Notícias do Funchal
Data: 05-08-2017
Página: 28
Link: O fio que canta
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