poca de laranjas
com o diabo na casca e também de sermão, levadas, quase dadas, sempre com
cartão. Provêm das quintas, as da casa, essas coitadas, já não servem a
tradição. De preferência com etiqueta e bom nome para dar elã, quase gourmet a
caminho da Michelin. Se a variedade ainda assim engana, por culpa da
apresentação, quando não verte sumo fica em xeque a cunha e a apelação. Ai, ai,
ai, fotógrafo do engano zelando pela agremiação, paga-se um preço tão alto por
este custo de produção.
O chefe de família
apronta-se à saída de casa, é o momento da verificação, chaveiro, telemóvel, óculos
para a falta de vista e acaba-se a reflexão, essa tantas vezes importunada por
vozes em cornetão, cá vai mais uma que dispara: - NÃO TEMOS LARANJAS, COMPRA
COM CARTÃO! Quis comprovar no “lençol” mas esse forrava a gaiola do rouxinol. O
gato, ícone da casa, sempre prostrado em posição esquisita, lança uma pata
sobre as orelhas e outra sobre a visão. Calem-se avisos estridentes da reacção,
ele não quer saber da promoção, bem, só hesita se também tiver ração.

Esperto, o chefe de
família começa por cima, distribui mas igual fica, ao apalpar arrepiou-se,
estavam gélidas da câmara, a frigorífica. Terminada a transferência de calor
apalpou com mais vigor e pressentiu, são das secas Senhor! Meteu no saco
respeitando a boa ética, de não apalpar e deixar ficar. Com a experiência
obtida foi a outra tonalidade, sempre com as primeiras em cumplicidade. Ao
retirar aquela, especificamente, veio outra que amparou com o cotovelo, ai que
dores quando chegam ao mesmo tempo. A posição não era ortodoxa mas ninguém viu,
os tempos não andam católicos, psiu! Safou-se, e de novo com boa ética meteu a
segunda no saco, somou experiência precisando do ábaco. Agora é escolher da
mesma tonalidade, contudo as melhores são das mais profundas e decidiu-se por
outra variedade. Ao retirar, deslizam sete ou oito para o outro lado onde
também há biscoito. A terceira não era má mas agora começa o problema da
fartura, decidir qual de tanta apanhadura? Enquanto a quinta mingua, por opção,
o baldio aumenta com a selecção.
A pomologia diz-nos
que há-as com umbigo enorme, atasca a máquina e não verte sumidade; sem
pevides, consome-se mas, dali brota nicles; de casca grossa, viçosa mas com
gomos palha; com nome pomposo, das que chamam a atenção mas, azedas que até
apertam a tal visão.
Existe até a
variedade “sanguínea”, laranja por fora mas vermelha por dentro. Há outra
chamada canalha, da prateleira não tenho ideia, faz-se um bolo sem falha, sai
lindo do forno para admiração da assembleia, aplica-se o sumo, afunda a
sobremesa, que tristeza, só me faltava a diarreia.
E a cimboa? Mais do
que um ornamento, uma delícia! Combina a forma da laranja com a cor do limão,
sem malícia, dá um porta-enxerto de assombrar, apesar de saborosa metade é para
descascar. Que escolha faz este supermercado, com tanto doutor e engenheiro sem
escola, em gabinete a estudar? Pomologia rara que despreza como fruta “feia”,
quando sumarenta, é de pasmar!
A odisseia
prossegue, a mãozinha viril lá foi à fruta queque, que ideia imbecil! O mundo
desaba-lhe, por sorte, na anarquia das roliças, só uma sobrou para as hortaliças.
Estrelinhas esvoaçam e anjinhos tocam harpa, está feita a ornamentação,
finalmente se percebe o que é Natal com um safanão. O obstáculo não cunhou a
bicha que se estatelou, foi ao chão. A falta que fazem duas mãos ocupadas na
fruta. O talude cede mas está tudo controlado, desde que se mantenha de quatro.
Olhando para cima, pânico! O ananás com imponente coroa a perder alicerces.
Pelo amor de Deus, aguenta-te. Deitado e espalmando, qual vibrador de laje tirando
bolhas de ar, vai observando a laranja derrotada, a que caiu, a rolar pelo
chão. Que triste fim da produção. Levará um coice espremida pelo carrinho em
contramão ou alguém civilizado apanha com a mão? Não! Voltou o desassossego dos
grisalhos com o laranjal, a velha ficou na horizontal. Que faz ela aqui se
temos a inclusão em festival?! Raios partam a velha mas, tratem-na com carinho
e atenção, não estraguem a promoção. Lembrem-se, a laranja caridosa sacia a
pobreza viciando a condição.
Em tão pouco tempo
a nova remessa esgota, que grande sucesso esta promoção, a altiva cúpula
desbota, as laranjas são levadas, de uma a uma, pela mão. É chegada a hora da
laranja-cenoura, uma bebida de eleição, quando faltam as primeiras acenam-se
com as últimas, mantém a folia, parece um presentão.
Mais um ano
passado, sempre a mesma conclusão, com tremendo enfado, o que nos vendem é
ilusão. Fazemos figura de pato, com laranja, para manter a tradição.
Enfiado, o chefe de
família assoma-se ao balcão: - nem que talhe, quero um batido de limão!
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